Debêntures despencando, fundos sofrendo: entenda os impactos da crise da Ambipar
A recente turbulência da Ambipar, empresa de gestão ambiental que tem enfrentado dificuldades para honrar suas dívidas, não abalou apenas seus credores diretos. O impacto foi sentido em três frentes: nos títulos de dívida emitidos pela companhia, no mercado de crédito privado e até nos fundos de investimento que carregam esse tipo de papel. Isso significa que mesmo quem nunca comprou um título da empresa, pode sentir reflexos na sua carteira. Segundo analistas, mesmo que as consequências de um evento como esse possam ser limitadas, especialmente em um mercado de menor porte como é o brasileiro, ainda assim, o assunto acende alertas sobre títulos de crédito privado.
Desde o dia 25 de setembro, quando a Ambipar entrou com um pedido de cautelar para proteção contra credores (uma medida já conhecida no mercado como preparatória para uma recuperação judicial), as debêntures (títulos da dívida) da empresa despencaram no mercado secundário, uma espécie de bolsa de valores em que investidores negociam títulos de renda fixa já emitidos.
Segundo dados da Pop BR, especializada em avaliar preços de títulos de dívida, a debênture negociada com o código AMBP16, por exemplo, tinha um “PU Par” (nome dado ao valor de referência atualizado pelo índice de correção da dívida) em torno de R$ 1.073. Mas, nas últimas negociações, chegou a ser vendido por apenas R$ 131. Essa diferença evidencia o que a desconfiança do mercado faz com um ativo. Afinal, quando foi emitido, o título valia R$ 1.000, subiu de valor por causa dos juros acumulados, mas depois do anúncio que a empresa planeja se proteger dos credores, os investidores só pagam uma fração do valor original, porque temem que a companhia não honre os pagamentos.
Trocando em miúdos, quando o risco aumenta, o preço da debênture no mercado secundário cai porque o comprador exige um retorno muito maior para topar o perigo. Tanto que, segundo levantamento da Pop BR, esses papéis chegaram a oferecer retornos de até 700% ao ano (algo impensável em ativos de “renda fixa”, onde os rendimentos costumam ser bem mais previsíveis).
Na prática, quando uma debênture despenca de preço, como no caso da Ambipar, quem comprou antes sai no prejuízo se decidir vender agora (afinal, pagou R$ 1.000 por um título que hoje vale só R$ 100). A "vantagem" é que esse investidor “trava” suas perdas, porque, caso ele fique e a empresa dê um calote, o prejuízo será maior. Já quem compra nesse novo preço assume um risco enorme, mas também pode ter um ganho desproporcional: isso porque os pagamentos de juros e o valor a receber no vencimento (os mesmos que valiam para quem pagou caro) agora são acessíveis por uma fração do preço original. Isso se a empresa resolver seus problemas financeiros, é claro.
Não tenho debêntures da Ambipar. Então estou livre de riscos, certo? Errado.
Esse choque também se refletiu nos fundos de crédito privado, que aplicam em títulos de empresas. Entre os dias 22 e 26 de setembro, 38% desses fundos tiveram uma queda de rentabilidade de mais de 20% em relação ao ganho médio que vinham tendo nas quatro semanas anteriores. Outros 16% tiveram redução entre 5% e 20%. Ou seja, muitos investidores que aplicaram nesses fundos (mesmo sem saber que havia papéis da Ambipar na carteira) acabaram sentindo reduções expressivas no ganho médio que estavam acostumados. Alguns fundos conseguiram escapar ilesos ou até ganhar com a movimentação.
O episódio derrubou ainda o IDA-DI, índice que mede o desempenho dos títulos privados atrelados ao CDI, indicador do mercado financeiro para investimentos em renda fixa e que segue de perto a Selic. Na última semana de setembro, o indicador caiu 0,37%, a maior queda desde dezembro de 2024.
Para simplificar: o IDA-DI funciona como um termômetro do mercado de crédito privado. Quando cai, significa que os preços dos títulos estão em queda, refletindo maior percepção de risco. E esse movimento afeta todo o mercado, inclusive empresas que não têm ligação direta com a Ambipar. Isso porque um cenário adverso pode elevar a desconfiança em relação aos investimentos nesse tipo de ativo.
O que dizem os analistas?
Primeiro de tudo, é preciso ter calma. Isso porque, no mercado de crédito privado, costumam acontecer situações de risco. Afinal, na prática, trata-se de empréstimos de investidores a companhias que não ncessariamente estarão sempre saudáveis financeiramente.
Segundo o professor William Eid, do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Cef), o caso da Ambipar ilustra bem o mercado brasileiro. Por um lado, ele explica que o tamanho relativamente pequeno do nosso mercado tende a ser um fator positivo, já que os impactos de uma crise em uma companhia específica acabam sendo limitados, não respingando para as demais. Por outro lado, o tamanho reduzido se reflete também em menos dados e informações disponíveis para que o investidor consiga avaliar os papéis de forma mais acurada antes de investir.
"Uma crise assim afeta o resto do mercado? Afeta. Mas no Brasil, a transmissão é reduzida porque não temos estruturas muito difundidas de rating (notas dadas por companhias especializadas em qualificar aquele ativo) interno e outros tipos de avaliações. Em mercados mais desenvolvidos, se uma empresa com nota BB, por exemplo, tem um problema, você tem um contágio em toda aquela categoria e todo mundo sofre. No Brasil, se tem um problema não afeta tanto o todo, porque tem poucas empresas", diz.
E pelo fato de o mercado ser pequeno, não há uma "corrida" de investidores para vender os títulos de dívida de uma companhia quando algo dá errado, justamente pela falta de liquidez (e até mesmo transparência) nos preços negociados.
Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Way Investimentos e coordenador do núcleo de economia da ESPM, chama atenção para um outro ponto importante: o otimismo, em sua visão exagerado, do mercado atualmente. Isso tende a fazer com que investidores "ignorem" sinais importantes de alerta.
"Há um excesso de liquidez e apetite por risco nos mercados internacionais, o que pode criar bolhas. Nesse contexto, crises como a da Ambipar tendem a ser relativizadas, mas isso não elimina os riscos de médio e longo prazo. Se houver uma virada nesse otimismo global, especialmente no setor de tecnologia e inteligência artificial, pode haver uma forte correção nos preços das ações que também pode afetar o crédito corporativo", diz
Para o investidor, a mensagem é de cautela. Em momentos de euforia, é melhor não se deixar levar e manter a disciplina na gestão de riscos. Nesse cenário, um dos principais "mantras" do mercado financeiro ganha ainda mais força: diversificar é fundamental.
"Problemas em emissores corporativos sempre vão existir, seja no Brasil ou nos EUA. A forma de reduzir os impactos é não se concentrar em um único título ou empresa. Para investidores que não têm conhecimento técnico para analisar balanços ou contratos de dívida, a recomendação é optar por fundos ou ETFs, que diluem riscos. Ainda assim, é essencial acompanhar a composição da carteira para evitar exposições excessivas a poucos emissores", afirma Eid.
Outro ponto ressaltado por Eid é a relação risco-retorno. Em um cenário de juros altos, como o atual, o investidor pode obter ganhos atrativos em títulos públicos com segurança muito maior do que em debêntures de alto risco.
"Não faz sentido correr grandes riscos para aumentar de forma marginal o rendimento, para o pequeno e médio investidor", diz. Isso significa que a melhor estratégia pode ser a simplicidade, tal como investir em títulos públicos negociados no Tesouro Direto e complementar com fundos de crédito bem diversificados, além de manter um cuidado redobrado com promessas de retornos elevados que parecem boas demais para serem verdade.
Relembre o caso
A Ambipar entrou em turbulência depois que problemas financeiros e de governança se tornaram públicos. A empresa, que vinha acumulando dívidas após um ciclo de aquisições, sofreu forte queda nas ações e nos títulos de dívida. Para evitar que os credores cobrassem tudo de uma vez, a companhia pediu ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro uma tutela cautelar (um tipo de proteção temporária que costuma anteceder a recuperação judicial). O risco era de insolvência imediata, já que a Ambipar estimou em até R$ 10 bilhões os contratos que poderiam ser antecipados.
A crise foi agravada por perdas em derivativos ligados a “green bonds” e pela pressão de bancos credores, em especial o Deutsche Bank. Além disso, a saída de executivos importantes, como o diretor financeiro, aumentou a desconfiança dos investidores.
Procurada, a Ambipar não quis comentar.